Você Pode Ir Na Janela

if I could look you in the eyes

Luke.
Já são quase 11 da noite. Hora de deixar o bom e velho violão de lado e voltar para a dura realidade. Três lances de escada e duas paradas para cumprimentos a pessoas entediantemente irrelevantes, e aqui estamos, Fit Stone. Talvez o pub mais precário de Bringhton, mas não deixa de ser freqüentado por executivos e trabalhadores que só estão a fim de encher a cara e jogar a conversa da semana inteira fora. Nunca ganhei uma gorjeta acima de 20 libras e o salário de um simples garçom de bar nunca foi lá uma maravilha, mas contanto que pague as contas para me manter naquele exato apartamento, eu não tenho motivos para reclamar. Não enquanto me deixassem tocar minha música entre um drink e outro. Tocar aquele velho violão, mesmo que ninguém preste atenção, parecia deixar viva a esperança de que um dia ele entraria por aquela porta e descobriria que cada acorde e cada palavra que coloco com tanto cuidado nessas canções são apenas para ele, e por ele.
Toda sexta-feira, sempre os mesmos clientes. Homens de terno, gordos e ligeiramente carecas e solteironas com cheiro de cigarro e urina de gato. Depois do décimo terceiro copo de cerveja britânica empurrado pelo balcão, chega a hora de sentar no palco improvisado e deixar as composições de um estranho solitário encherem o ambiente, na esperança de chegarem aos ouvidos daquele tão específico outro estranho. Tantos rostos em volta... E nenhum consegue chegar nem aos seus pés. Enquanto chego no refrão da primeira canção, observo cuidadosamente os olhares da platéia dispersa. Nenhum dos pares de olhos azuis britânicos se comparam à sublime imensidão de seus olhos cor de avelã. Como eu gostaria de algum dia me perder dentro deles, naqueles olhares inocentes e... Oh céus. Oh céus, são eles! É ele... E está indo embora. Mas, por quê?

Paul
Quinze para meia-noite. Meu cérebro parece estar querendo me torturar hoje. Você sabe que ele não está lá, Paul. Ele nunca está lá a esta hora da noite.
Dez para a meia-noite. É isso. Chega, eu desisto do sono. Quem sabe naquele bar de esquina eu não encontre alguém que me faça esquecer ele pelo menos por alguns minutos. Alguém com um nome, sobrenome e todas essas informações básicas que eu gostaria tanto de conhecer. E bem que poderia, por que não? Ele está tão perto. Mas na verdade, tão, tão longe que me sinto como uma pobre formiga imaginando como seria tocar a pálida face da Lua.
Fit Stone. Há dois anos que moro nesta mesma rua e nem ao menos sabia o nome do lugar. Céus, pessoas demais. Todos tão iguais e monótonos. Mulheres vulgares e homens de meia-idade, todos cercados por tanta futilidade mundana. O cheiro de cigarro me traz más recordações, me faz querer me virar e voltar para a minha noite de insônia. Mas me fiz vir até aqui, vou pelo menos gastar os trocados no bolso com qualquer cerveja barata. Mas ao me aproximar cada vez mais do local, sinto meu coração acelerar e uma sensação de mal estar e excitação me atingir ao mesmo tempo. Aquela voz, aquele som. Tanto tempo de silêncio por trás da janela tentando ouvir desesperadamente cada nuance de suas músicas e agora aqui estou, frente a frente com o autor. E seu rosto parece procurar algo enquanto canta, até que finalmente encontra meus olhos aterrorizados por estarem tão perto dos seus.
E lá vou eu, a pobre formiga correndo para longe. Acho que agora ela percebeu que a Lua é grande demais para ela.