As memórias de Nessa

Recordações

- Vanessa Hugh…Vanessa Hugh – gritou a professora e voltei do meu estado de vergonha.

Tentei arrefecer um pouco a cara pois eu tinha controlo absoluto sobre o meu próprio corpo e levantei-me da cadeira ainda com a cabeça baixa. Quando levantei a cabeça e os nossos olhos se cruzaram entendi que eu iria ter problemas se alguém descobrisse a minha verdadeira identidade como vampira. Os seus olhos arregalaram-se instantaneamente no momento em que se cruzaram com os meus. Ele já sabia quem eu era, quase nem precisava de apresentações. Comecei a falar com calma e fiz o meu coração acalmar-se.

- O meu nome é Vanessa Hugh, tenho dezassete anos e até tu chegares eu era a pessoa mais nova da turma pois só estou cá á cerca de dois anos. Ah…bem, não sei bem o que perguntar porque a turma já perguntou quase tudo, deixa pensar…

- Conheces bem a rua principal da cidade? – Perguntou-me ele deixando-me de queixo caído. Senti que era neste momento que tudo se ia descobrir e comecei a sentir medo, uma sensação que não senti á muito tempo.

- Sim conheço, mas porque é que perguntas? – Hesitei mas não podia dar nas vistas.

- Nada de especial, apenas pensei que me podias mostrar a cidade hoje á tarde, pareces alguém que conhece bem os sítios – disto piscou-me o olho e todas as raparigas se viraram para mim com ar de quem me queria matar.

- Por mim, pode ser. – Disse ainda com incerteza de poder cumprir o que disse.

- Uma ideia esplêndida! A segunda aluna mais nova mostrar a cidade ao mais novo, acho muito bem, uma grande ideia Henry. Assim a Vanessa pode te mostrar tudo o que lhe mostraram a ela. Mais alguma pergunta turma?

- Eu tenho uma. – Ouviu-se uma voz vinda da primeira fila, uma voz que eu reconheci logo como sendo da Verónica, apenas a pessoa que eu mais odiava em toda a turma. Era uma pessoa extremamente falsa, que espalhava boatos e inventava mentiras sobre toda a gente. O grande problema é que era a menina dos professores e todos a adoravam e acreditavam nela. A palavra da Verónica era divina naquela turma. Para a ajudar ainda mais a Verónica era das pessoas mais bonitas da turma, com olhos azuis gélidos e cabelo preto, liso e brilhante como aqueles que se vêm na televisão nos anúncios de champô.

Tinha um corpo de modelo e já tinha feito certos trabalhos para a televisão, visto que a sua mãe era uma actriz famosa e o seu pai um jornalista e amos trabalhavam neste momento no canal de televisão mais visto de todos.

- Qual é a tua pergunta querida? – Perguntou a professora com uma voz doce que era usada só para falar com ela.

- Onde é que fizeste essas duas marcas pequeninas que tens no pescoço?

Olhei para o seu pescoço e na realidade estavam lá as marcas. Duas pequenas cicatrizes perfeitamente alinhadas uma com a outra, dois pequenos buraquinhos um pouco mais escuros que sobressaíam na sua pele branca, típica de quem vivia em Inglaterra. Pela posição delas calculei logo que eram as minhas marcas e fiquei com um certo medo.

- Desculpa mas a história destas marcas é muito pessoal para mim e não quero contá-la. Peço imensa desculpa por isto mas é que haveriam pessoas que não iriam gostar se eu contasse isto.
Finalmente pude suspirar e esbocei um sorriso que foi bem recebido pela sua parte. De vez em quando apanhava os seus olhos cravados em mim mas logo de seguida desviava o olhar.

Tocou a campainha e apressei-me a sair da sala para não ter que enfrentar uma temida conversa com o Henry. Sabia que um dia teria de conversas com ele sobre o que aconteceu mas não me pareceu este o momento nem o lugar ideal para o efeito.

- Ah, aí estás tu! Estava a ver onde te tinhas metido - Nate caminhou na minha direcção calmamente com uma expressão preocupada. – O que se passou na aula? Parecia que não estavas bem.

- E eu não estava bem naquele momento. Anda, há algo mais que eu te tenho que contar sobre o meu passado, algo que precisas de saber para me ajudares, Nate neste momento preciso de toda a ajuda disponível.

- Ok, mas antes diz-me uma coisa, viste aquelas marcas no pescoço do Henry? Achei muito estranho não nos querer contar a história detrás daquilo, pareceu ser bastante interessante.

- Talvez ele não quisesse contar com medo de o tomarem por maluco ou algo do género, no lugar dele faria o mesmo, é muito difícil contar segredos a gente que acabámos de conhecer – imaginei-me por momentos na sua pele, ele acabou por ser exactamente o que eu fui, uma estranha total numa turma de gente que se conhecia desde a pré-primária na maioria dos casos.

Peguei na mão do Nate e levei-o para umas mesas de piquenique que haviam nas traseiras da nossa escola para onde raramente ia gente e as pessoas que iam não queriam saber dos meus assuntos pessoais de certeza. Mesmo assim tomei cuidado para que não conseguissem ouvir a nossa conversa. Não sabia como começar e o Nate conseguiu perceber isso a tempo.

- Bem, deves estar toda contente. A seguir ás aulas vais mostrar a cidade ao novo aluno. Creio que a Rachel se referiu a ele como “um Deus divino”. Uau, a minha melhor amiga vai sair com um Deus. – Sentou-se na mesa mais próxima e desmanchou-se a rir quando olhou para a minha cara – Está bem, eu paro mas o que me tinhas para contar de tão importante.

- Houve algo que me aconteceu na minha primeira noite como vampira - Contei-lhe a história toda desde que sai do laboratório até que cheguei á parte do rapaz do beco e aí a cara dele mudou completamente de aspecto.

- Nunca imaginei que tu… nunca… - Ficou sem palavras e voltou a olhar para mim

- Tu não imaginas como me sinto envergonhada pelo que fiz, por favor agora sou eu que te peço, não fujas de mim, eu não sou um animal e, ainda não acredito no que fiz, eu sei que foi um erro, um dos maiores que já cometi – comecei a chorar de imediato e então senti as suas mãos na minha cara.

- Eu não vou fugir de ti, eu acredito que o que fizeste não foi culpa tua. Percebo-te, estavas em pânico, eu provavelmente teria agido exactamente da mesma maneira que tu por isso não chores.

As suas mãos estavam pousadas nas minhas bochechas. Por mais que eu tentasse não chorar as lágrimas saíam sem parar. Saíam todas seguidas pelos cantos dos olhos, percorriam as minhas bochechas, tocavam levemente nas mãos do Nate e paravam nos meus lábios. Nate levantou-me a cara para me poder fitar nos olhos. Estava com um ar preocupado e percebi mais ou menos porquê quando vi o meu reflexo nos seus olhos, eu estava realmente com um aspecto terrível pois os meus olhos estavam inchados e as minhas bochechas encarnadas como nunca.

Nate aproximou-se de mim mas não disse nada e eu estava demasiado triste para perceber o que ele ia fazer e quando percebi foi tarde demais. Senti os seus lábios encostados aos meus e com a sua língua foi abrindo caminho por entre os meus lábios que se encontravam completamente cerrados. Não consegui resistir e respondi ao beijo. O Nate estava a beijar-me, isto não estava certo, ele era o meu melhor amigo, o que significaria para ele isto? Nate gostava de mim e não me tinha dito nada? Consegui aguentar durante algum tempo mas, logo que me lembrei de Henry, a minha garganta pegou fogo nessa altura, não aguentava mais e não iria fazer ao Nate o que fiz ao Henry.