As memórias de Nessa

Sede

- Pára! – Gritei com todas as minhas forças – Estás me a deixar com sede, pára!

- Desculpa, não queria fazer isto mas é só que… não aguento ver-te a chorar Nessa, é demasiado forte para mim – disse enquanto se afastava de mim e se levantava para se ir embora – só não percebo porque é que ficaste assim na aula, porque é que só te lembraste deste assunto agora.

- Isso é a outra coisa importante que eu te queria contar. O rapaz do beco… é o Henry.
- O Henry da nossa turma? Oh, isso é mau! Ele já te reconheceu? – Tão rápido como me tinha beijado o Nate entrou em pânico total.

- Sim, já, na chamada. Foi essa a razão porque eu estava assim na aula. Tenho que ir falar com ele, não posso deixar que ele conte o meu segredo a toda a gente porque isso iria acabar comigo.

- Ah e em relação ao que aconteceu aqui, podemos esquecer?

- Claro – os cantinhos da minha boca esboçaram de novo um sorriso.

Bem, estava na altura que eu mais temia, teria de falar com o Henry agora, antes que fosse tarde demais e ele contasse o que eu era a toda a turma. Caminhei na direcção do pavilhão de aulas na esperança de o encontrar lá mas enquanto caminhava senti que alguém me perseguia.

- Luke! Podes parar de me seguir assim?

- Então maninha, tu também tens um namorado e não me contaste nada?

- O Nate não é meu namorado, é só o meu melhor amigo e tu sabes bem disso, temos uma amizade muito forte.

- Pois, eu bem vi como a vossa amizade estava “forte” ali atrás, sim eu estava a ver.
- Deixa-te de isso Luke sabes que não, aquilo foi um impulso do Nate apenas isso, não vai voltar a acontecer de certeza.

- Eu conheço bem esses impulsos. Admite de uma vez que namoras com ele Nessa.
- Ela não namora comigo, como ela disse aquilo não foi mais que um impulso meu e já percebi que foi errado ter feito aquilo. Agora, com a tua licença eu tenho que me ir embora – disse o Nate, obviamente irritado pelos comentários do meu irmão.

- Resposta á altura – virei costas e fui-me embora, percebi que dali não iria sair mais nenhuma conversa inteligente, pelo menos vinda da parte do Luke.

Andei ás voltas pelo pavilhão de aulas até que encontrei um grupo de alunos que faziam uma roda, percebi de imediato que quem estava no meio era o Henry que, quando me viu, passou no meio de alguns elementos da roda e veio ter comigo.

- Desculpem malta mas preciso de vir conversar com a minha guia da cidade – Disse com a maior das calmas. Henry tinha-se tornado o aluno mais popular da turma logo que chegou, ao contrário do que tinha acontecido comigo, uma autêntica anti-social que se tinha isolado por completo da maioria das pessoas.

- Vejo que já estás muito popular, anda preciso mesmo de falar contigo sobre aquele assunto que tu sabes.

- Se me vais pedir para guardar segredo, é escusado gastares palavras pois seria totalmente incapaz, mesmo se não gostasse de ti, de contar algo assim a alguém. E, afinal de contas, eu também não quero que saibam disso, seria demasiado estranho para ambos.

- O que queres dizer como se não gostasses de mim? – Estava a começar a ficar nervosa com o rumo da conversa, ele gostava de mim?

- Ah nada, tipo, se te odiasse ou uma coisa do género, mais nada ok?

- Ok, obrigado por compreenderes. Bem, tudo o que eu te tenho mais a dizer é “Bem-vindo á nossa escola”. – Estava mais relaxada porque, afinal de contas, o Henry era um rapaz super compreensivo e iria manter o meu segredo.

- Não temos mais nada para dizer? – Perguntou-me ele como que a perguntar “E o nosso beijo, não significou nada para ti?”.

- Tu queres dizer, o beijo?

- Sim, sabes tu foste o meu primeiro beijo. Aquela noite estava a ser muito complicada para mim porque o meu pai tinha desaparecido de casa e eu andava á nora. Não estava a aguentar o barulho das pessoas por isso decidi refugiar-me naquele beco e foi ai que te encontrei, adormecida no chão a chorar. Percebi que precisavas de ajuda e não hesitei em oferecer-te o meu pescoço e se me pedissem para repetir a noite, faria exactamente o mesmo.

- Agradeço-te do fundo do coração, a sério, se eu pudesse fazer algo para te compensar faria – disse eu na esperança de me sentir um pouco melhor.

O meu estômago contorcia-se com as memórias daquele dia, que era ainda demasiado doloroso para recordar. Aquela sede de sangue forte, aquele beijo, aquelas ruas, aquele rapaz, aquele homem a ser morto, embora tivesse sido á dois anos atrás, a ferida ainda estava aberta e ardia como se alguém tivesse derramado um frasco de álcool para cima dela.