As memórias de Nessa

Descobertas

As lendas antigas diziam que os vampiros que chegavam aos vinte e cinco anos saudáveis de corpo e mente eram as criaturas com mais sabedoria que habitavam o mundo. Não percebo como é que alguém em tão poucos anos consegue uma sabedoria tão grande e é por isso que eu desejo tanto chegar a essa idade, pois ai descobrirei o que querem dizer como ser sábio.

Damien deitou-me um olhar impaciente como se estivesse a dizer para eu me despachar e Erica olhou para Damien com um ar de desprezo. Ela era sempre assim com ele, mas eu sabia que no fundo Erica amava Damien do fundo do seu coração e embora Damien não expressasse muito os seus sentimentos, sei que Erica não lhe passava despercebida. Encaminhei-me na sua direcção e logo que cheguei o Damien começou a falar, tal como Erica disse que ele iria fazer.

- Deves ter orgulho de ti própria Nessa, conseguiste alcançar um nível prestigiado neste laboratório e está na altura de formares a tua própria vida fora daqui, onde está uma família que te espera. A família sabe de toda a tua situação e pareceram felizes por te acolher por isso não deites tudo a perder. Estamos todos muito orgulhosos de ti e queremos que sejas realmente feliz mas antes de sair daqui tenho uns avisos para ti, daquelas coisas que tens mesmo que saber antes de te ires embora, para não cometeres erros e estares informada sobre o que tu és agora.

Começou a falar pausadamente com um ar sério para não eu levar aqueles avisos a sério. A minha memória, que agora era muito forte, registou cada palavra dita pelo Damien naquele momento.

-O primeiro aviso não é bem um aviso, é mais um conselho, mantém te afastada das zonas com muitos humanos para conseguires aprender a controlar os teus instintos de, pronto, é melhor dizer directamente, beber sangue. O segundo aviso é para tomares bastante atenção aos vampiros de “má raça”, são uma classe de vampiros ilegais criados fora de laboratórios por vampiros maduros. São autênticos assassinos e não respeitam a paz que existe entre vampiros e humanos, por vezes são mesmo capazes de matar vampiros só para saciarem a sua sede. O terceiro aviso é mesmo para seguires á risca ou então poderás por em causa a existência de vampiros no mundo não deixes um humano beber o teu sangue pois as consequências podem ser irremediáveis. Se seguires o que eu te digo vais-te sair muito bem no mundo humano e acredito que sim. É muito bom recordares-te de pequenas coisas da tua vida humana pois assim vais te adaptar muito melhor, desejo-te sorte.

- Plural, desejamos-te muita sorte Nessa. Dentro em breve irás receber uma carta nossa a perguntar como estão as coisas e pedimos-te que contes tudo, mesmo coisas pessoais para nos mantermos totalmente informados e te podermos ajudar no que seja. Se tiveres alguma emergência, pede aos teus “novos pais” para mandarem a carta pois eles sabem como mandá-la. Acho que está tudo, agora só falta uma despedida de jeito.
Erica baixou-se e deu-me um beijo na face e de seguida um abraço tão apertado que quase me deixou sem respirar. O Damien mordia a bochecha mas quando me abraçou não resistiu e desfez-se em lágrimas, o que me deixou bastante surpresa pois era muito raro ver um vampiro a chorar.

Disse adeus e sai do laboratório com um ar triunfante. Diante dele havia um táxi á minha espera mas antes de entrar decidi olhar bem para o sítio onde me salvaram e para as pessoas que estiveram sempre lá ao meu lado. Acenei para Erica e Damien e voltei costas pois senti uma ou duas lágrimas a tentarem-se escapar no cantinho do olho por isso entrei no táxi rapidamente e, quando já estava bem instalada ele começou a andar, em direcção ao tal “destino” que me aguardava.

- Já chegámos – a voz do homem entrou no meu sonho diurno e foi então que acordei para o mundo real. Tinha passado cerca de meia hora desde a última vez que tinha olhado para o relógio que se encontrava no rádio do táxi. Desde que sai do laboratório que tinha estado a pensar seriamente sobre o pouco que me lembrava da minha vida humana e como as coisas seriam diferentes agora com uma família nova. Quem seriam? Haveria também lá uma mãe que estaria sempre ao meu lado como a minha estivera? Haveria alguém da minha faixa etária na casa? Quando a voz do homem entrou dentro do meu sonho assustou-me seriamente pois era inesperada.

O homem, alto de cabelo grisalho e grandes olhos verdes abriu-me a porta e foi imediatamente buscar as minhas malas á traseira do carro. Enquanto fazia isso cantarolava o hino nacional em voz baixa. Vendo que ele não estava a conseguir pegar bem na minha mala (que não era de todo leve) ajudei-o e os dois juntos conseguimos levar a mala até á entrada da casa.

Era uma casa de sonho, daquelas que somos capazes de invejar na televisão com jardins grandes e esbeltos, fontes de água cristalina, estátuas. Uma casa de dimensões astronómicas como eu nunca tinha visto antes. As suas paredes eram de um amarelo escurecido e brilhavam com a luz da lua a incidir sobre elas. No chão do jardim encontravam-se holofotes e lá bem ao fundo consegui avistar duas casotas de cão, o que significava claramente ser uma casa com animais de estimação.

Quando o senhor do táxi se foi embora eu perdi a coragem. Estava com medo de conhecer a minha nova família, medo que não me aceitassem, medo que fugissem de mim, medo que tenham mudado de ideias e já não queiram uma “filha” adolescente vampira. Respirei fundo e então toquei á campainha e ouvi de imediato muitos passos na direcção da porta e suspiros audíveis para mim. “É ela, venham todos, ela chegou”.