As memórias de Nessa

Primeiro beijo

Eu corria ia de olhos fechados para não chorar mais, eu não me queria tornar naquilo, numa assassina como aquele vampiro, eu não queria ter sentido aquele cheiro que, pelo que percebi era o cheiro de sangue, eu não queria ser uma vampira se isso implicasse magoar alguém, nomeadamente alguém que eu amasse. Nunca iria ter uma vida normal se continuasse assim pois ninguém ia amar uma assassina como eu, uma rapariga normal que no seu interior ansiava por sangue fresco de uma qualquer vítima.

Continuei a correr sem ver por onde ia e quando abri os olhos percebi que tinha cometido um erro gravíssimo, estava na rua mais movimentada da cidade onde passavam naquele momento cerca de uma ou duas centenas de pessoas. A minha garganta começou a arder de sede, sede de algo, sede de sangue. Lembrei-me do pobre cadáver no chão, tapei o nariz e comecei a andar no meio da multidão tentando encontrar uma saída rápida mas o único que consegui encontrar foi um pequeno beco atrás de um restaurante, onde eu me sentei e recomecei o meu choro. Embora já não estivesse tão perto da multidão a garganta ainda me ardia e então comecei a fraquejar. Os meus olhos foram-se fechando com a fraqueza e acabei por desmaiar enquanto as lágrimas, que não paravam, molhavam o chão do beco.

- Estás bem? - Ouvi uma voz na minha cabeça – Rapariga, estás bem?

Abri os olhos lentamente e olhei em volta. Ao pé de mim encontrava-se um rapaz que não devia ser muito mais velho que eu. Tinha o cabelo em tons de castanho e uns olhos verdes hipnotizantes. Olhava-me com um ar espantado enquanto falava comigo.

- Perdeste-te? Queres ajuda?

- Não preciso obrigado pela oferenda – A minha garganta começou a arder nesse preciso momento enquanto o rapaz se aproximava para olhar melhor para mim, lembrando-me de tudo desse dia gritei-lhe – Não te aproximes de mim! Eu não te quero aleijar, eu não te quero magoar, eu não sou uma assassina! - As lágrimas apoderaram-se de mim de novo e olhei para o rapaz que neste momento se estava a rir.

- Tu? Assassina? Claro que não – e pôs se de joelhos no chão, junto a mim, continuando a falar – Porque haverias tu de me magoar?

- Eu não sou como pensas que sou. Eu não sou como tu.

- Então como és tu?

- Sou uma assassina, sou uma assassina que anseia por sangue.

O rapaz continuou a olhar para mim mas já não se estava a rir, agora mostrava uma curiosidade que nunca tinha visto antes. Não tinha percebido ainda que se encontrava em perigo.

- Sou uma vampira. Não te aproximes muito mais, não te quero fazer mal. Estou com sede, não sei o caminho para casa e meti-me neste beco para fugir á multidão, vai-te embora! Não te vou fazer mal, não quero!

O rapaz não disse nada mas em vez de se afastar aproximou-se de mim e colocou a sua cara a centímetros da minha.

- Como te chamas Rapariga Vampira?

- Nessa…Vanessa, mas porquê?

- Nessa, um nome bem bonito, gosto dele. Bem, Vanessa… – Virou a cara e encostou o pescoço á minha boca – … confio em ti, podes beber.

Senti um nó no pescoço, estava mesmo com muita sede mas não queria magoar ninguém, não queria magoar este rapaz que me tratava tão bem, não queria mesmo mas a minha sede estava insuportável. Solucei uma ou duas vezes e então os meus caninos encontraram o pescoço do rapaz que se mostrava normal. Bebi um pouco mas depois afastei-me do rapaz para ter a certeza que não tinha morrido naquela experiência. Este percebeu e olhou-me.

- Estás bem? Desculpa…não sei o que posso dizer, hoje é o meu primeiro dia fora do sítio onde me transformaram, não me lembro bem do mundo humano, desculpa… – disse enquanto sentia o doce sangue percorrer-me o corpo. Apoderou-se de mim uma sensação de luxúria e arrependimento.

Antes de responder o rapaz apenas me olhou fixamente. Limpou-me um resto de sangue que tinha no canto da boca e encostou os seus lábios aos meus suavemente. Fechei os olhos e segui o que ele estava a fazer, movendo os meus lábios ao ritmo dos seus. Era uma sensação maravilhosa, sentia todo o meu corpo a tremer e então a garganta atacou de novo. Como precaução, afastei-me um pouco e o rapaz foi-se embora deixando-me no beco. Olhou mais uma vez para trás e não disse mais nada.

O meu retorno a casa foi mais rápido do que julgara. Afinal a avenida principal da cidade encontrava-se a escassos metros da minha nova casa. Entrei em casa e rapidamente subi as escadas que levavam ao meu quarto, agarrei uma almofada e comecei a chorar. Sentia-me muito mal pelo que tinha acabado de fazer, já não me sentia humana, sentia-me uma assassina, sentia-me perigosa e tinha medo de um dia ter sede junto da minha família. Ouvi a porta abrir e virei-me para ver quem era. Qual foi a minha surpresa quando o Luke entrou no quarto e, ao ver-me chorar, veio a correr ter comigo e dar-me um abraço. Por momentos, senti-me melhor, muito melhor e não percebi porque é que junto do Luke não tinha sede.

- Sei o que estás a sentir. Não precisas de explicar nada, eu sei tudo, só não faças perguntas. Eu sei que é difícil ao início mas ás de te habituar. Não tenhas medo, não és má pessoa, não és uma assassina.

- Mas sou, eu fiz mal ao rapaz, eu sou uma assassina, sou tão má como aquele homem do parque.

O Luke não voltou a falar e apenas me apertou mais contra o seu peito. Não lhe ofereci resistência e não lhe fiz nenhuma pergunta como ele me pediu, deitei-me na cama ainda a pensar em tudo o que tinha acontecido. Ele ficou ao meu lado a fazer-me festas no cabelo até eu adormecer finalmente.