As memórias de Nessa

Nova vida

Agora pensando bem no assunto, já passaram dois anos desde que aquele acidente aconteceu e desde então que a minha vida não tem sido a mesma. Naquela altura a minha “vampirez” não me permitia aproximar de grandes grupos de humanos mas agora já estava muito habituada e controlava a minha sede de uma forma impecável pois jurei a mim mesma que a partir daquele dia, no que dependesse da minha vontade, não derramaria mais sangue humano sem razão justa (e isto não incluía estar com sede na altura do acto).

Habituei-me muito rapidamente á minha nova escola e tinha aquilo que posso chamar de “amigos” embora não seja muito chegada á maioria deles com excepção a uma pessoa, um rapaz da minha turma chamado Nate.

Nate é exactamente o tipo de pessoa que me agrada pois é um rapaz muito tranquilo, simpático, sensível e sabe exactamente como me pôr a rir e isso é muito importante para mim, visto que ele foi a primeira pessoa que eu conheci na escola (não conta o meu irmão Luke). No primeiro dia de aulas eu estava “nervosa” (emoção desconhecida até ao momento) pois tinha sido colocada numa turma diferente do Luke e não conhecia mesmo ninguém.

Estava com medo, medo da rejeição, medo que não aceitassem quem eu era, medo da discriminação, do bullying que se fala hoje em dia nas notícias mas não foi nada disso que aconteceu, muito pelo contrário. Embora ninguém me conhecesse toda a gente me sorriu e me fez sentir bem-vinda mas o Nate destacou-se pois foi o único com coragem suficiente para falar logo comigo, mostrar-me a escola e pedir-me para me sentar ao seu lado nas aulas. E assim o fiz, sentindo-me alegre, sentindo-me incluída nesta pequena sociedade de gente com aproximadamente a mesma idade humana que eu.

O Nate não demorou muito tempo até descobrir que eu não era uma humana normal. Sim, ninguém da escola sabia da minha identidade vampírica sem ser o Luke e eu não queria que soubessem pois iriam chover perguntas como:

1. Os vampiros podem sair ao Sol?

2. De que é que te alimentas? Bebes sangue?

3. Dormes num caixão todas as noites? É verdade que tens uma masmorra em casa?

4. É verdade que os vampiros são imortais?

Eu responderia coisas muito simples como por exemplo:

1. Sim, podemos sair ao Sol mas não convém estarmos expostos durante muito tempo pois a nossa pele é muito mais sensível que a vossa e teríamos facilidade em apanhar dolorosos e profundos escaldões.

2. Eu alimento-me como vocês só que depois em casa tenho que tomar uns suplementos que são fabricados no laboratório onde fui criada. Estes suplementos substituem o sangue, logo, não me sinto tentada a beber sangue humano, nem quero.

3. Eu durmo normalmente, numa casa e não tenho masmorras em casa, não preciso delas para nada, não sou assim tão assassina! Ok, não sou mesmo assassina…

4. A partir de uma certa idade sim. Até aos vinte e cinco anos os vampiros são exactamente como humanos só que bebem os suplementos para aguentarem a sede de sangue. A partir dos vinte e cinco anos tornam-se imortais e param de se alimentar como os humanos bebendo, de vez em quando, um suplemento mais forte.

Não são respostas complicadas mas também não quero que ninguém me pergunte coisas assim da minha vida privada e tenho medo de ser exposta a alguém que não goste de vampiros ou tenha medo, não quero nada disso. O Nate descobriu que eu não era uma humana normal quando uma vez foi comigo ao cinema pois ele diz que os meus olhos tornaram-se vermelhos no escuro (outra consequência da minha vampirez) e reparou que eu era mais ágil que todas as pessoas da turma.

Uma tarde quando estávamos a comer um gelado sentados no parque, eu olhava fixamente para os pássaros pequenos que bebericavam água do lago e tentavam comer as migalhas que uma menina pequena tinha deixado cair no chão. Ao ver-me tão concentrada, o Nate começou uma conversa.

- Quem és tu?

- Vanessa, melhor, Nessa…tu sabes quem eu sou, porque perguntas?

- O que eu queria perguntar não era bem isso – posto isto olhou-me com os seus olhos castanhos, cor de avelã, penetrantes e continuou – o que eu queria perguntar era que…bem, tu não és bem normal pois não?

- Como assim? - Não estava a gostar o rumo que esta conversa estava a ter.

- Tu não és como as outras raparigas, parece que ficaste presa nalgum espaço de tempo. És diferente de toda a gente que já conheci! Os teus olhos ficam vermelhos no escuro, és mais ágil que todos, a tua beleza estonteante e uns dentes diferentes. O que és tu? - tinha chegado o momento de mais uma pessoa saber do meu segredo - Podes confiar em mim, sabes disso miúda!

- Queres mesmo saber o que eu sou? Tens a certeza?

- Sim, nada me fará afastar de ti, afinal, és a minha melhor amiga!

- Sou vampira – disto ele começou-se a rir como eu nunca tinha visto – Bem sabia que não ias acreditar em mim, ninguém acredita. Ao menos pensei que o meu suposto melhor amigo acreditasse em mim, mas pelos vistos nem isso – coloquei-lhe o gelado na mão, levantei-me e comecei a caminhar mas algo me impediu. Senti duas mãos a agarrar com força os meus braços.

- Eu acredito em ti, foi só uma reacção do momento, não te vás embora por favor. Sempre soube que tu não eras como eu, que eras diferente de uma maneira qualquer mas não sabia o quê e não percebia porque é que não me contavas nada, agora compreendo.

Virei me para ele para enfrentar a sua cara. Estava triste de uma certa maneira, mas percebi que ele realmente acreditava em mim e não punha dúvidas que eu era uma vampira. Abracei-o com força, ele agarrou me contra ele de maneira a eu não conseguir fugir e de seguida olhou-me nos olhos. Os seus olhos eram de uma cor castanha única, tão profundos como o oceano e neste momento pareciam mais escuros que nunca. Foi então que vi duas lágrimas correrem-lhe as bochechas e chegarem á sua boca.

- Não fujas de mim, preciso de ti aqui, preciso que confies em mim para tudo, preciso que me faças um juramento – disse, com os seus braços a rodearem o meu corpo.

- Mas… mas que espécie de juramento? – perguntei eu com um pouco de medo da resposta.

- Jura-me que nunca mais me voltas a esconder nada na tua vida.

- Eu juro que nunca mais te volto a esconder nada enquanto viver.

Sempre cumpri este juramento e a nossa amizade ficou forte como o ferro.