As memórias de Nessa

Experiências

Todas as manhãs costumavam ser iguais para mim. Levantava-me cedo para ter tempo para tomar banho e vestir-me, ia acordar o Luke (que se recusava a acordar com um despertador pois dizia que era algo demasiado banal para alguém como ele… rapazes) comia o pequeno-almoço que a minha mãe deixava sempre em cima da mesa da cozinha e fazia companhia ao Luke enquanto ele se preparava para as aulas. O nosso pai costumava estar sempre no seu escritório todas as manhãs e costumava vir para a porta do escritório quando percebia que nos íamos embora. Então uma certa manhã algo mudou:

- Luke! Anda cá a baixo, o teu pai deixou-te um recado para leres! – gritei a plenos pulmões desejando que ele já estivesse acordado. Ultimamente nem comigo ele costumava acordar, deixando-se ficar adormecido na cama ou em qualquer outro sítio onde estivesse a dormir (uma vez apanhei-o no armário). Ultimamente o Luke parecia mais cansado do que nunca, parecia que só se deitava de manhã e até as suas notas estavam a baixar – Luke! Anda lá de uma vez, não temos muito tempo.

- Já vou Ness, tem calma! – gritou ele do cimo das escadas.

Desceu as escadas e foi então que vi o seu aspecto. A sua cara encontrava-se cheia de cortes e os seus braços com cicatrizes profundas.

- O que se passou? Porque estás assim?

- Não interessa, assuntos meus, agora onde está o recado?

- Vais continuar a esconder-me coisas depois de saberes o que eu sou? Depois de saberes o meu segredo? Depois de teres estado naquele quarto, naquela noite a acalmar-me depois de tudo o que me aconteceu?

- Sabes que sou incapaz de te esconder seja o que for Ness mas isto só te escondo para te proteger. Afinal vais me mostrar o recado ou não?

Não sou conhecida por ser muito insistente. Embora sentisse o meu coração pesado naquela altura não fui capaz de dizer nada, mostrando-lhe apenas o recado escrito pelo nosso pai. Enquanto lia a sua expressão mudou radicalmente e agora parecia estar em pânico.

- Oh não, não pode ser… isto é mau demais para estar a acontecer!

- Mas o que se passa Luke? – perguntei eu na esperança da minha pergunta mudar algo.

- Tu…tu…queres mesmo saber? – perguntou hesitando a cada palavra.

- Confias em mim? – Perguntei directamente, sem hesitar, sem sequer pensar no que tinha perguntado. Quando eu queria eu conseguia ser bastante directa.

- Sabes que sim rapariga tonta, és a minha irmã!

- Então o que se passa? Vais me dizer de uma vez!?

- Eu… ando a sair com alguém á noite e… o pai descobriu. Deve me ter visto sair pela janela ontem ou assim e agora está furioso, diz que vou ter sérias consequências quando chegar a casa. Não percebo porque é que ele tem que ser todo controlador no que toca a namoradas e namorados, nem quero imaginar quando fores tu, aposto que só quando tiveres cerca de trinta anos é que te vai deixar sair!

- Que exagero Luke! O pai é controlador mas é só porque quer o nosso bem.

- Quando arranjares um namorado, a gente fala...

- Está bem. E de onde vêm essas marcas todas?

- Bem, ela ás vezes é um pouco violenta quando estamos a… bem, tu sabes. Eu gosto, deixa-me fora de mim, faz me sentir forte
.
Corei por completo quando percebi do que é que ele estava a falar. Nunca imaginei que o meu irmão andava a fazer… coisas desse género fora de casa, ainda por cima com uma rapariga que o magoava.

- Não estejas tão chocada! Temos dezassete anos, estamos na idade deste tipo de experiências. Eu gosto mesmo imenso da Helena, se não gostasse podes crer que não estaria a fazer isto, sabes, sou rapaz mas tenho sentimentos ao contrário do que tu pensas.

- Não percebo bem o que queres dizer em “faz me sentir forte”, não me lembro de muitas coisas do meu início de adolescência por isso não sei do que falas, não faço ideia. – disse eu. No meu interior a minha mente desenhava a cena e isso era algo que me estava a deixar realmente envergonhada.

- Bem, tens que fazê-lo para perceber. Tu ainda nunca… prontos tu sabes?

- Não! Achas mesmo?

- Bem me parecia, nunca pareceste rapariga de muitos amores.

Na verdade havia alguém que eu amava do fundo do coração, alguém que eu nunca tinha esquecido, alguém que me tinha beijado mesmo sabendo que eu era uma assassina e que aquilo era algo que poria em causa a sua segurança, a sua vida.

O rapaz do beco era a única pessoa que ocupava o meu coração de uma maneira especial e cada vez que pensava nele o meu coração palpitava com uma força descontrolada.